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Da depressão à luta coletiva: o percurso de um jovem queniano

No dia 1 de abril de 2025, a Revolutionary Socialist League, juntamente com outras organizações políticas, organizou um evento no Quénia intitulado “Denunciar a instrumentalização estatal de drogas e álcool contra ativistas”. O objetivo era “discutir o uso sistemático de drogas e álcool como ferramenta para desestabilizar movimentos liderados por jovens e deturpar os protestos como sendo motivados por indivíduos intoxicados em vez de comunidades politicamente conscientes e organizadas.” Queremos partilhar contigo um testemunho produzido como resultado deste evento. Foi escrito por Wachira Nyaga, um dedicado organizador comunitário do Embu Community Justice Center e membro do partido Revolutionary Socialist League.

Wachira Nyaga


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Depois de terminar o ensino secundário em 2012, encontrei-me a lutar para sobreviver numa economia desenhada para manter os pobres acorrentados. Como muitos jovens, esperava tirar a minha família do sofrimento imposto pelo sistema neoliberal. Em 2015, comecei a trabalhar como cobrador na caótica e exploradora indústria de matatus , conduzindo na rota Githurai 45 desde o subúrbio em rápido crescimento de Ruiru até ao distrito comercial central de Nairobi.

Após três anos na indústria, percebi que as minhas dificuldades económicas não seriam resolvidas trabalhando como cobrador. Os desafios eram grotescos. Era constantemente assediado e preso por agentes do condado (askaris) e pela polícia. O negócio dos matatus é uma das indústrias mais corruptas do Quénia, com funcionários do Estado a recolherem subornos abertamente desde as primeiras horas da manhã em rotundas e postos de controlo, sem se importarem se os trabalhadores informais que extorquem chegaram a ter lucro ou sequer tomaram o pequeno-almoço. Ou pagas, ou sofres as consequências. As detenções arbitrárias e o desrespeito pela lei por parte de todos os envolvidos na indústria colocam os jovens trabalhadores em risco de passar grande parte da sua juventude na prisão, reforçando a minha consciência de que a polícia e o sistema judicial existem para proteger os ricos e oprimir os pobres.


Foi através desta experiência que desenvolvi um profundo desejo de lutar por mudanças. Os mesmos jovens com quem trabalhava que eram pais, irmãos e amigos continuam a sofrer sob o peso da pobreza sistémica. Enquanto procurava um trabalho alternativo, encontrei-me no mundo instável do pequeno comércio informal, vendendo o que podia para sobreviver. Mas em 2018, tudo mudou.


A minha jornada de organização comunitária


Conheci Edgar, popularmente conhecido como Liberator, que me introduziu à organização comunitária sob a bandeira da Githurai Human Rights Network. Comecei a trabalhar com grupos comunitários para aumentar a consciência sobre os direitos humanos, responsabilização e a Constituição. Através do Liberator, mais tarde conheci Garang Mzalendo, ambos apresentadores de rádio na Ghetto Radio, onde conduziam o popular programa Changamka Show, que combinava justiça social com música reggae. O trabalho deles inspirou-me e o meu foco tornou-se mais claro, culminando na fundação do Githurai Social Justice Centre (GSJC), que mais tarde se tornou parte do Social Justice Movement Working Group.


À medida que o GSJC crescia, envolvi-me profundamente na organização dos bairros informais de Nairobi. A minha missão revolucionária tornou-se mais clara: tinha o dever de lutar por justiça e liberdade para o povo. Mas a organização comunitária não é isenta de desafios. O trabalho é não remunerado, e os defensores dos direitos humanos carregam o imenso fardo de documentar injustiças, desde execuções extrajudiciais a violência baseada no género. O impacto emocional e psicológico é pesado. A falta de apoio psicossocial para organizadores significava que eu absorvia todo o trauma sem ter como o libertar.


Efeitos e superação da saúde mental e do abuso de substâncias


À medida que o trabalho de defesa da minha comunidade se intensificava, sacrifiquei, sem saber, o meu bem-estar. Comecei a usar as drogas khat (Miraa) e álcool (Chang’aa) para conseguir acompanhar as exigências da organização. A situação piorou quando a minha casa foi demolida e fui forçado a sair, ficando sem tecto. Sem apoio da comunidade e com um crescente sentimento de desespero, fiquei preso no abuso de álcool. O que começou como uma forma de escapar às minhas dificuldades rapidamente consumiu a minha vida.


Passei os meus dias a beber nas tabernas locais de chang’aa, muitas vezes sem comer e perdendo o contacto com as minhas responsabilidades. A minha jovem família sofreu: a minha esposa e o meu filho envergonhavam-se de mim, enquanto a comunidade me descartava como um caso perdido. Os defensores dos direitos humanos são frequentemente vilipendiados; vistos como incómodos em vez de protetores do povo. As minhas lutas reforçaram essa perceção, isolando-me ainda mais.


Sempre acreditei que a mudança começa comigo.


Tinha desperdiçado anos a afogar-me no álcool e sabia que, se permanecesse no mesmo ambiente tóxico, nada mudaria. Tinha de fazer uma escolha, continuar no meu caminho autodestrutivo ou recuperar a minha vida. Decidi deixar Githurai e voltar para a minha terra natal rural, Embu.


Recomeçar através da Cozinha Comunitária e da Organização do Embu Community Justice Centre


Sair de Nairobi não foi apenas uma fuga ao abuso de substâncias; foi uma decisão consciente de criar um novo ambiente onde pudesse reconstruir-me. Uma coisa era clara: como revolucionário, é nosso dever organizar em todo o lado onde o capitalismo esteja enraizado e em Embu não era diferente. A opressão estava por todo o lado: desde o desemprego juvenil, à repressão das mulheres, às condições precárias dos pequenos agricultores. Historicamente, apesar de Embu ter sido um centro de resistência dos Mau Mau, continuou marginalizada e subdesenvolvida. Esta é a realidade de muitas cidades no Quénia com economias ferroviárias herdadas do colonialismo. Quando o governo neocolonial de Jomo Kenyatta assumiu o poder, Embu foi uma das muitas regiões que foram ainda mais exploradas e sujeitas a injustiças históricas pelos líderes neocoloniais.


Enquanto quadro do Social Justice Movement e seguidor disciplinado da Revolutionary Socialist League, sabia que apenas a disciplina militante me recolocaria no caminho certo, recorrendo à educação política através da organização comunitária. Guio-me pelas sábias palavras de Maya Angelou: “Ninguém é livre até que todos sejam livres.”


Em Embu, procurei novas formas de me sustentar mantendo-me comprometido com a luta. Iniciei uma cozinha comunitária, que se tornou num meio de sobrevivência e também num novo espaço de organização. A cozinha tornou-se uma plataforma para envolver agricultores e trabalhadores rurais nas suas lutas, ajudando-me a demonstrar que as mesmas estruturas opressoras dos bairros informais urbanos também existiam nas áreas rurais. Os agricultores estavam a ser explorados, o governo falhava com eles, e as suas lutas não eram diferentes das dos pobres urbanos.


Um soldado sem ideologia política é um criminoso em potencial” – Thomas Sankara


Through these conversations, I saw the need to organise. The Embu Community Justice Centre was born out of this realisation, providing farmers and workers a platform to fight collectively for their rights. By advocating for cooperatives, trade unions, and revolutionary consciousness, we began laying the foundation for an alternative system that prioritises people over profit.


Conclusão


A minha jornada do abuso de substâncias até à organização de um novo centro de justiça não foi fácil, mas foi necessária. O sistema capitalista é desenhado para nos destruir, para nos empurrar para o desespero e para a autodestruição. Mas a luta por justiça não é apenas contra o Estado — é também contra as condições que enfraquecem o nosso povo, incluindo as lutas com a saúde mental e o abuso de substâncias.


A organização comunitária não é apenas política; é profundamente pessoal. Ao reconstruir-me, consegui reconstruir o meu compromisso com a luta. A minha experiência mostrou-me que disciplina revolucionária, cuidado coletivo e consciência política são essenciais para sustentar tanto indivíduos como movimentos. A luta continua, não apenas em Nairobi, mas em cada canto do país onde o povo se recusa a aceitar a opressão como destino. Por uma sociedade livre, justa e organizada — uma comunidade de cada vez.

 
 
 

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